sábado, 30 de julho de 2011

Meu filho, você não merece nada.

A crença de que a felicidade é um direito tem tornado despreparada a geração mais preparada ...


"Ao conviver com os bem mais jovens, com aqueles que se tornaram adultos há pouco e com aqueles que estão tateando para virar gente grande, percebo que estamos diante da geração mais preparada – e, ao mesmo tempo, da mais despreparada. Preparada do ponto de vista das habilidades, despreparada porque não sabe lidar com frustrações. Preparada porque é capaz de usar as ferramentas da tecnologia, despreparada porque despreza o esforço. Preparada porque conhece o mundo em viagens protegidas, despreparada porque desconhece a fragilidade da matéria da vida. E por tudo isso sofre, sofre muito, porque foi ensinada a acreditar que nasceu com o patrimônio da felicidade. E não foi ensinada a criar a partir da dor. 

Há uma geração de classe média que estudou em bons colégios, é fluente em outras línguas, viajou para o exterior e teve acesso à cultura e à tecnologia. Uma geração que teve muito mais do que seus pais. Ao mesmo tempo, cresceu com a ilusão de que a vida é fácil. Ou que já nascem prontos – bastaria apenas que o mundo reconhecesse a sua  genialidade. 

Tenho me deparado com jovens que esperam ter no mercado de trabalho uma continuação de suas casas – onde o chefe seria um pai ou uma mãe complacente, que tudo concede. Foram ensinados a pensar que merecem, seja lá o que for que queiram. E quando isso não acontece – porque obviamente não acontece  – sentem-se traídos, revoltam-se com a “injustiça” e boa parte se emburra e desiste. 

Como esses estreantes na vida adulta foram crianças e adolescentes que ganharam tudo, sem ter de lutar por quase nada de relevante, desconhecem que a vida é construção – e para conquistar um espaço no mundo é preciso ralar muito. Com ética e honestidade – e não a cotoveladas ou aos gritos. Como seus pais não conseguiram dizer, é o mundo que anuncia a eles uma nova não lá muito animadora: viver é para os insistentes.
  
Por que boa parte dessa nova geração é assim? Penso que este é um questionamento importante para quem está educando uma criança ou um adolescente hoje. Nossa época tem sido marcada pela ilusão de que a felicidade é  uma espécie de direito. E tenho testemunhado a angústia de muitos pais para garantir que os filhos sejam “felizes”. Pais que fazem malabarismos para dar tudo aos filhos e protegê-los de todos os perrengues – sem esperar nenhuma responsabilização nem reciprocidade. 

É como se os filhos nascessem e imediatamente os pais já se tornassem devedores. Para estes, frustrar os filhos é sinônimo de fracasso pessoal. Mas é possível uma vida sem frustrações? Não é importante que os filhos compreendam como parte do processo educativo duas premissas básicas do viver, a frustração e o esforço? Ou a falta e a busca, duas faces de um mesmo movimento? Existe alguém que viva sem se confrontar dia após dia com os limites tanto de sua condição humana como de suas capacidades individuais? 

Nossa classe média parece desprezar o esforço. Prefere a genialidade. O valor está no dom, naquilo que já nasce pronto. Dizer que “fulano é esforçado” é quase uma ofensa. Ter de dar duro para conquistar algo parece já vir assinalado com o carimbo de perdedor. Bacana é o cara que não estudou, passou a noite na balada  e foi aprovado no vestibular de Medicina. Este atesta a excelência dos genes de seus pais. Esforçar-se é, no máximo, coisa para os filhos da classe C, que ainda precisam assegurar seu lugar no país. 

Da mesma forma que supostamente seria possível construir um lugar sem esforço, existe a crença não menos fantasiosa de que é possível viver sem sofrer. De que as dores inerentes a toda vida são uma anomalia e, como percebo em muitos jovens, uma espécie de traição ao futuro que deveria estar garantido. Pais e filhos têm pagado caro pela crença de que a felicidade é um direito. E a frustração um fracasso. Talvez aí esteja uma pista para compreender a geração do “eu mereço”. 

Basta andar por esse mundo para testemunhar o rosto de espanto e de mágoa de jovens ao descobrir que a vida não é como os pais tinham lhes prometido. Expressão que logo muda para o emburramento. E o pior é que sofrem terrivelmente. Porque possuem muitas habilidades e ferramentas, mas não têm o menor preparo para lidar com a dor e as decepções. Nem imaginam que viver é também ter de aceitar limitações – e que ninguém, por mais brilhante que seja, consegue tudo o que quer. 

A questão, como poderia formular o filósofo Garrincha, é: “Estes pais e estes filhos combinaram com a vida que seria fácil”? É no passar dos dias que a conta não fecha e o projeto construído sobre fumaça desaparece deixando nenhum chão. Ninguém descobre que viver é complicado quando cresce ou deveria crescer – este momento é apenas quando a condição humana, frágil e falha, começa a  se explicitar no confronto com os muros da realidade. Desde sempre sofremos. E mais vamos sofrer se não temos espaço nem mesmo para falar da tristeza e da confusão. "
Eliane Brum
 

terça-feira, 26 de julho de 2011

Sobre as escolhas que fazemos...



"Chuva” de emails:
-"Como??? Eu faço as escolhas?"  -" Você acha que iria escolher sofrer?"

Sim...fazemos Escolhas e elas são nossas responsabilidades!!!!!


"Escolho tudo que faz parte da minha vida e sempre o fiz. Escolho meu comportamento, meus sentimentos, meus pensamentos, minhas enfermidades, meu corpo, minhas reações, minha espontaneidade, minha morte. De algumas destas escolhas, escolho não tomar consciência.
Geralmente opto por não perceber sentimentos com os quais não quero me confrontar, pensamentos que são inaceitáveis, e algumas das relações de causa e efeito entre determinados eventos. O que tem sido denominado inconsciente fica, com essa formulação, desmistificado.Escolho até isso. Eu inconsciente é simplesmente, todas aquelas coisas das quais escolho não tomar consciência. Não existem incidentes. Os acontecimentos ocorrem porque escolhemos sua ocorrência. Nem sempre estamos conscientes de estarmos escolhendo. Uma vez que aceitamos as responsabilidades pela escolha de nossas vidas, tudo fica diferente. Temos poder. Decidimos. Estamos no controle."

Schutz, Will. Profunda Simplicidade - Editora Ágora

sábado, 23 de julho de 2011

Resposta aos questionamentos sobre A Felicidade


Recebi várias questões relativas à postagem da semana passada (A Felicidade e Padrões de pensamento e de destino).
A maioria das pessoas têm uma compreensão mas se perguntam: “Como fazer para lidar com esses processos familiares, os quais nos fazem sempre retornar àquele padrão de infelicidade”?
         Primeiro faz-se necessário checar se este é o caso...pois nem sempre este padrão prevalece nas  famílias -  importante reconhecer isto.
Depois precisamos tomar consciência de que tudo em nossas vidas são escolhas que fazemos e a responsabilidade sobre isso também é nossa.
         A tomada de consciência que temos das nossas escolhas pode ser total ou parcial. Então, ao questionamento feito, digo que o processo terapêutico tem como objetivo auxiliar nesta tomada de consciência de seu funcionamento e suas dificuldades.
        O terapeuta juntamente com o cliente que busca esta mudança, desenvolverá um programa para que as mudanças ocorram.
As etapas seriam:
·        Tomada de consciência das escolhas (ou clareá-la apenas...)
·        Realizar aprendizagens visando a mudança
·        Colocar em prática na sua vida
Desta forma, o cliente poderá treinar novos comportamentos, respostas, atitudes, sentimentos.
Na forma sistêmica de trabalhar, não buscamos os “porquês”, onde acredita-se que se encontrarmos as causas teremos controle sobre os resultados. Não...definitivamente não...!
Sistemicamente falando (que é a minha linha de atuação) o foco é enxergar Como e O Que está acorrendo, logo o “olharnão é sobre o passado  (onde busca-se encontrar causas, culpados etc...).
O foco é no presente, percebendo quem está envolvido no problema, de que modo, e como os padrões de relacionamento atuam.
Desta forma, o terapeuta sistêmico busca alternativas diferentes de funcionamento, proporcionando mudanças.
O mais importante são as mudanças e não as explicações e compreensões.
         De grande ajuda também, posso mencionar a Constelaçao Familiar Sistêmica, onde trabalha-se com as forças que se mostram no sistema, na família, orientadas para a solução.Então, depende do cliente estar preparado e também ser capaz de aderir a esse movimento e completar aquilo que se mostra como solução. É uma terapia breve, um trabalho de amor e de muito respeito pelo que se apresenta no sistema do cliente.     
                 


Finalizando, gostaria de citar algo que um Rabino escreveu:
Quem dispõe de muito de si, não apenas dos paladares adocicados, mas quem faz uso das fantásticas especiarias da vida, mesmo do amargo, esse desenvolve um senso de que tem tudo dentro de si. Apropriar-se e responsabilizar-se pela vida é o que nos disponibiliza o recurso de todos os recursos, que é a fé na existência de recursos (para tudo). N.B.

sábado, 16 de julho de 2011

A Felicidade


Não há nada mais difícil de suportar que a felicidade.
Muitos suportam facilmente a infelicidade, mas e a felicidade?

Posso explicar o porquê.
A maioria das pessoas, quando se sente infeliz, sente-se também conectada
com a sua família através da sua infelicidade. As pessoas sentem-se inocentes e possuem a consciência tranqüila. A consciência tranqüila no contexto da infelicidade representa um grande consolo para elas.

Quando alguém, porém, torna-se feliz mesmo que outros membros da sua família estejam infelizes, muitas vezes tem a consciência pesada. Freqüentemente faz de tudo para tornar-se infeliz novamente e assim se sente feliz em sua infelicidade.
(Texto extraído do livro Histórias de amor, Bert Hellinger, Ed Atman)


Mais algumas reflexões acerca de influências famíliares...


Padrões de pensamento e de destino
Chamamos de campo morfogenético, campos de força que determinam certas estruturas na família. Nas constelaçoes familiares pode se ver diretamente como esses campos morfogenéticos atuam...


Se, por exemplo, alguém se suicidou então, algumas vezes,  alguem se suicida também na próxima geração. Entretanto, não somente porque ele quer seguir alguem de uma geração anterior, mas porque existe um padrão!


Rupert Sheldrake viu que, quando se forma um novo cristal, esse ainda não está pre-estruturado e, quando se forma um cristal do mesmo composto, ele já se estrutura segundo o modelo anterior.


Então, ja existe uma memória do cristal anterior. O campo morfogenético tem portanto, uma memória. Por isso o próximo cristal se desenvolve, com grande probabilidade, de forma semelhante ao primeiro.
Quando isso se repete muitas vezes, então existe um padrão fixo.


Dificil de compreender?
Comece a buscar as Constelaçoes Familiares e sua alma compreenderá este conteúdo com muita clareza.

Obs: Leia postagem anterior - Constelações Sistêmicas Familiares: Perguntas Frequentes- 19 de junho -  ou mande email para tais.fittipaldi@gmail.com
Tais

sábado, 9 de julho de 2011

A Pipa e a Flor


Poucas pessoas conseguiram definir tão bem os caminhos
do amor como Rubem Alves, numa fábula surpreendente.
A história começa com algumas considerações de um
personagem que deduzimos ser um velho sábio.
Esta história ainda não terminou...
e está acontecendo em algum lugar neste exato momento.
Os três finais possíveis são interessantes como metáforas,
para sabermos onde estamos...

Que tal deixarmos esta história reluzir?
Que tal não colocarmos nenhuma dúvida sobre o que foi "sentido"?
E aí...apenas esperar, sem expectativas!
Tais

Era uma vez uma pipa.

O menino que a fez estava alegre e imaginou que a pipa também estaria. Por isso fez nela uma cara risonha, colando tiras de papel de seda vermelho: dois olhos, um nariz, uma boca...
Ô pipa boa: levinha, travessa, subia alto...
Gostava de brincar com o perigo, vivia zombando dos fios e dos galhos das árvores.
- “Vocês não me pegam, vocês não me pegam...”
E enquanto ria sacudia o rabo em desafio.
Chegou até a rasgar o papel, num galho que foi mais rápido, mas o menino consertou, colando um remendo da mesma cor.

Mas aconteceu que num dia, ela estava começando a subir, correndo de um lado para o outro no vento, olhou para baixo e viu, lá num quintal, uma flor. Ela já havia visto muitas flores. Só que desta vez os seus olhos e os olhos da flor se encontraram, e ela sentiu uma coisa estranha. Não, não era a beleza da flor. Já vira outras, mais belas. Eram os olhos...
Quem não entende pensa que todos os olhos são parecidos, só diferentes na cor. Mas não é assim. Há olhos que agradam, acariciam a gente como se fossem mãos. Outros dão medo, ameaçam, acusam, quando a gente se percebe encarados por eles, dá um arrepio ruim elo corpo. Tem também os olhos que colam, hipnotizam, enfeitiçam...

Ah! Você não sabe o que é enfeitiçar?!
Enfeitiçar é virar a gente pelo avesso: as coisas boas ficam escondidas, não têm permissão para aparecer; e as coisas ruins começam a sair. Todo mundo é uma mistura de coisas boas e ruins; às vezes a gente está sorrindo, às vezes a gente está de cara feia. Mas o enfeitiçado fica sendo uma coisa só...

Pois é, o enfeitiçado não pode mais fazer o que ele quer, fica esquecido de quem ele era...
A pipa ficou enfeitiçada. Não mais queria ser pipa. Só queria ser uma coisa: fazer o que a florzinha quisesse. Ah! Ela era tão maravilhosa! Que felicidade se pudesse ficar de mãos dadas com ela, pelo resto dos seus dias...

E assim, resolver mudar de dono. Aproveitando-se de um vento forte, deu um puxão repentino na linha, ela arrebentou e a pipa foi cair, devagarzinho, ao lado da flor.
E deu a sua linha para ela segurar. Ela segurou forte.
Agora, sua linha nas mãos da flor, a pipa pensou que voar seria muito mais gostoso. Lá de cima conversaria com ela, e ao voltar lhe contaria estórias para que ela dormisse. E ela pediu:
- “Florzinha, me solta...” E a florzinha soltou.

A pipa subiu bem alto e seu coração bateu feliz. Quando se está lá no alto é bom saber que há alguém esperando, lá embaixo.
Mas a flor, aqui de baixo, percebeu que estava ficando triste. Não, não é que estivesse triste. Estava ficando com raiva. Que injustiça que a pipa pudesse voar tão alto, e ela tivesse de ficar plantada no não. E teve inveja da pipa.
Tinha raiva ao ver a felicidade da pipa, longe dela... Tinha raiva quando via as pipas lá em cima, tagarelando entre si. E ela flor, sozinha, deixada de fora.
- “Se a pipa me amasse de verdade não poderia estar feliz lá em cima, longe de mim. Ficaria o tempo todo aqui comigo...”
E à inveja juntou-se o ciúme.
Inveja é ficar infeliz vendo as coisas bonitas e boas que os outros têm, e nós não. Ciúme é a dor que dá quando a gente imagina a felicidade do outro, sem que a gente esteja com ele.
E a flor começou a ficar malvada. Ficava emburrada quando a pipa chegava. Exigia explicações de tudo. E a pipa começou a ter medo de ficar feliz, pois sabia que isto faria a flor sofrer.
E a flor aos poucos foi encurtando a linha. A pipa não podia mais voar.
Via ali do baixinho, de sobre o quintal (esta essa toda a distância que a flor lhe permitia voar) as pipas lá em cima... E sua boca foi ficando triste. E percebeu que já não gostava tanto da flor, como no início...

Essa história não terminou. Está acontecendo bem agora, em algum lugar... E há três jeitos de escrever o seu fim. Você é que vai escolher.

Primeiro: A pipa ficou tão triste que resolveu nunca mais voar.
- “Não vou te incomodar com os meus risos, Flor, mas também não vou te dar a alegria do meu sorriso”.
E assim ficou amarrada junto à flor, mas mais longe dela do que nunca, porque o seu coração estava em sonhos de vôos e nos risos de outros tempos.

Segundo: A flor, na verdade, era uma borboleta que uma bruxa má havia enfeitiçado e condenado a ficar fincada no chão. O feitiço só se quebraria no dia em que ela fosse capaz de dizer não à sua inveja e ao seu ciúme, e se sentisse feliz com a felicidade dos outros. E aconteceu que um dia, vendo a pipa voar, ela se esqueceu de si mesma por um instante e ficou feliz ao ver a felicidade da pipa. Quando isso aconteceu, o feitiço se quebrou, e ela voou, agora como borboleta, para o alto, e os dois, pipa e borboleta, puderam brincar juntos...

Terceiro: a pipa percebeu que havia mais alegria na liberdade de antigamente que nos abraços da flor. Porque aqueles eram abraços que amarravam. E assim, num dia de grande ventania, e se valendo de uma distração da flor, arrebentou a linha, e foi em busca de uma outra mão que ficasse feliz vendo-a voar nas alturas
Rubem Alves




domingo, 3 de julho de 2011

Lutando com o Anjo


Às vezes, uma ferida é o lugar onde encontramos vida pela primeira vez. Por isso precisamos perceber o seu poder e entender os seus caminhos. A ferida pode trazer uma sabedoria capaz de nos fazer viver melhor, permitindo que tenhamos uma visão mais verdadeira de nós mesmos e da vida.
Uma das últimas histórias que meu avô me contou foi sobre um homem chamado Jacó, que tinha sido atacado durante a noite,  quando dormia sozinho à beira de um rio. Ele estava viajndo e resolveu parar para comer e descansar, pois o lugar parecia seguro. De repente Jacó acordou e se viu preso ao chão por braços muito fortes. Estava tão escuro que ele não podia enxergar o rosto do  inimigo, mas podia sentir o seu poder. Juntando todas as suas forças, começou a lutar para se libertar.
-Era um pesadelo vovô? – perguntou esperançosa.
Naquela época, eu sofria de pesadelos e tinha que dormir com um apequena lâmpada acesa. Cheguei mais perto do meu avô e peguei sua mão.
- Não, Neshumule – ele respondeu – Era verdade, mas aconteceu há muitos anos. Jacó podia ouvir  a respiração do seu agressor, podia sentir o tecido de sua roupa, podia até sentir o seu cheiro. Ele era um homem forte, mas, mesmo usando toda a sua força, não conseguia se soltar e nem derrubar o inimigo. Rolavam pelo chão, lutando com fúria.
- Quanto tempo eles lutaram, vovô? – perguntei, ansiosa.
- Por muito tempo Neshumule – ele respondeu - , mas a escuridão não dura para sempre.Começou a amanhecer e, quando a luz chegou, Jacó percebeu que estivera lutando com um anjo.
Fiquei surpresa.
- Um anjo de verdade, vovô? – Com asas?
Não sei se ele tinha asas, mas era , sem dúvida, um anjo. Com a chegada da luz o anjo soltou Jacó e tentou ir embora, mas Jacó o impediu. “Deixe-me ir” pediu o anjo. “Não vou deixar você ir enquanto não me abençoar”, falou Jacó. O anjo lutou com força, pois queria escapar, mas Jacó o manteve preso. E, então, o anjo lhe deu uma bênção.
Eu me senti muito aliviada.
E aí ele foi embora vovô? È o fim da história?
- É – respondeu meu avô -, mas Jacó machucou a perna na luta. Antes de ir embora, o anjo tocou-o no lugar do ferimento.
Isso era algo que eu podia entender. Minha mãe costumava fazer o mesmo.
- Para ajudar a sarar, vovô? – perguntei.
Meu avô balançou a cabeça.
- Acho que não. Ele o tocou ali para que Jacó se lembrasse. Jacó carregou o ferimento pelo resto da vida. Era o lugar da lembrança.
Aquela história me deixou perplexa. Como poderia alguém confundir um anjo com o inimigo? Mas vovô disse que isso acontecia sempre.
- Mesmo assim – ele disse -, essa não é a parte pricipal da história. A part5e mais importante é que tudo tem a sua bênção.
No ano anterior à sua morte, meu avô contou-me essa história várias vezes. Oito ou nove anos depois, no meio da noite, a doença com que tenho convivido ( doença de Cronh) por mais de quarenta anos evidenciou-se da maneira mais insólita que se poderia imaginar. Eu tive uma forte hemorragia interna. Aconteceu sem nenhum aviso. Fiquei em coma e permaneci no hospital por vários meses. A escuridão e a luta prolongaram-se ainda por muitos anos.
Quando olho para o passado, fico pensando se meu avô, velho e próximo da morte, não tinha me deixado essa história como uma bússola. È uma história enigmática aobre a natureza das das bênçãos e a natureza dos inimigos. Como é tentador soltar o inimigo e fugir. Abandonar a luta no passado o mais rápido possível e seguir em frente. A vida poderia ser mais fácil assim, mas muito menos autêntica. Talvez a sabedoria consista em se engajar na vida, tal como a recebemos, da maneira mais completa e corajosa possível e não soltá-la enquanto não encontrarmos a bênção desconhecida que existe em todas as coisas.”

* Rachel Naomi Remen – As bênçãos de Meu Avô – Editora Sextante

Penso que tudo que desafia o corpo pode desenvolver e fortalecer a alma.
As vezes demora muito tempo até tomarmos consciência do movimento de trasformação que acontece dentro da gente, pois a atenção está sempre voltada para a luta contra as dificuldades.
Relaxar, aceitar e aprender...grandes lições!
Tais