Que fazer diante das injustiças econômicas, desde as ordens do amor? Como equilibrar o dar e receber? Como equilibrar o mal recebido?
Primeiramente, situamo-nos no contexto sistêmico, no qual todos nós estamos a serviço de algo maior. No “A fonte não precisa perguntar pelo caminho”, Hellinger diz que: “A Grande Alma, seja o que for, determina e toma a seu serviço cada um, da maneira que for. Alguns têm um serviço agradável, alguns têm um serviço difícil. Alguns têm um serviço curador e alguns um serviço destrutivo, um serviço terrível. Porém, continua sendo o mesmo serviço. Visto desde a alma, desde a Grande Alma, é o mesmo serviço. Ninguém pode opor-se a esta alma.
Agora bem, há pessoas que têm o conceito de que o mundo lhes foi entregue em suas mãos. Como se existissem pessoas que pudessem aniquilar o mundo, se assim quisessem, e como se existissem outras que o pudessem salvar, se assim quisessem. Estão desprendidas da corrente. (…)
Isto traz consequência referente para nossa crença diante de perpetradores e vítimas. Estão cumprindo o mesmo serviço. Se o levarmos a sério, estão cumprindo o mesmo serviço. Os bons, os que chamamos de bons, e aqueles que chamamos de ruins cumprem o mesmo serviço. Esta crença coloca fim à arrogância e à soberba. (…)
Quando temos esse enfoque nos tornamos humildes e podemos assentir ao mundo tal como é, sem a pretensão de querer melhorá-lo. Como se não fosse a Grande Alma quem dirige o mundo como ela quer! “Nós somente estamos imersos em aqueles que ela guia.” pp. 67-68
Cada vez que um ser humano é violentado, desencadeia-se nele uma reação natural, hormonal, que lhe permite responder instantaneamente atacando seu agressor de um modo proporcional ao mal, não maior, justo o suficiente para deter a agressão. Neste instante, as duas pessoas olham-se, descobrindo-se como dois seres humanos iguais. Quando a vítima entra em uma escalada de violência com o agressor, já não se trata da resposta natural da emoção primária original, senão que a vítima entra em respostas automáticas pertencentes ao inconsciente familiar que lhe impedem viver o presente e somente o presente.
De onde provém essa submissão ao inconsciente familiar? Quando um antepassado deixou algo inacabado, como uma ira sem assumir, um desejo de vingança não cumprido, uma culpa ou um crime sem assumir, abre-se um campo de “compensação arcaica”: o inconsciente familiar designa um descendente para salientar e concluir o que ficou inacabado. Esse descendente, desde sua concepção, fica, então, preso nesse campo de compensação arcaica e não pode fazer outra cosa, senão repetir esse passado, até percebê-lo.
E quando percebe isso é quando se separa do passado e assume seu presente, suas emoções e seus atos, sem culpar os outros, saindo do campo da compensação arcaica e entrando no campo da autonomia.
Todo este processo é totalmente inconsciente. E a vida nos mandará situações em espelho do vivido pelo antepassado para que nós vivamos estas situações desde o presente e o adulto. No momento em que vivamos o conflito assumindo-o, desde o adulto, resolve-se paralelamente o dos ancestrais, e nos liberamos da carga que nos correspondia.
Porém, isso de viver no adulto é o mais complicado para nós. Inconscientemente, é mais fácil imitarmos o ancestral do que estar no adulto e no presente.
O sistema familiar pede para seus membros que equilibrem o dar e receber, e concretamente que equilibrem o mal recebido. Isto significa que a vítima também deve fazer um mal ao agressor, porém somente o suficiente para equilibrar.
E que observamos?
O sentimento de dor, de vítima, de desespero, medo, impotência, abuso, etc. da vítima vai imediatamente acompanhado de ira, desejo de vingança, desejo de fazer ao agressor o mal que nos fez e ainda mais, rancor, ressentimento, frustração, ódio…
Hoje, está demonstrado que o ódio, o rancor, a inveja e todos os outros sentimentos negativos penetram no campo energético da pessoa odiada, atacando seu sistema imunitário.
Significa que de um modo natural já estamos equilibrando o mal recebido. Nossos pensamentos e emoções estão vingando-nos.
Assim que percebemos isso, podemos assumir nossa parte. E isto nos coloca no presente e no adulto. A partir desse momento, poderemos saber o que fazer diante da situação atual.
Então, imaginemos um destes senhores depredadores econômicos, políticos ou financeiros diante de nós, e dizemos-lhe:
“Fez-me muito mal.
Deixo-o com suas fidelidades e sua responsabilidade.
“Você á amado assim por algo maior.”
Agora, olhamos para nós mesmos, para nossos sentimentos por eles:
“Sou igual a você”.
Agora, olhamos para nossa vida:
“Percebo o mal que eu fiz. Assumo as consequências”.
Agora, olhamos para o sistema familiar dele e para o nosso e percebemos que fazemos parte de um grande movimento de compensação:
“Agora, vejo o que meus ancestrais fizeram aos seus ancestrais”.
Olhamos novamente para essa pessoa e observamos a mudança produzida em ambos. Podemos dizer-lhe então:
“Obrigado por ser como é”.
Quando nos situemos como ser humano diante de outro ser humano, respeitando quem toma as decisões que nos fazem mal, será quando possamos decidir como atuar. Veremos que eles fazem o que devem fazer, mesmo que seja contra a vida. É sua responsabilidade.
E nós assumimos nossa responsabilidade de ir a favor da vida.
Ser instrumento de paz
Proponho-lhes as próximas reflexões e exercícios para transformar-nos em instrumentos de paz.
A necessidade de pertencer é a mais premente de todas, e pela busca de segurança a pessoa faria qualquer coisa. E segurança significa perante tudo, Valores, Deus, religião ou ideologia. Os homens matam por fidelidade ao seu Deus, por pertencer mais ao seu Deus, para se sentirem mais seguros, para ter a consciência segura e tranquila. E quem é esse deus? É a Verdade que compartilha um grupo, é o cimento do grupo ao que pertenço.
Bert Hellinger fez este descobrimento referente à paz:
Os homens matam para defender sua Verdade, eliminando quem a critica, desprezam ou arriscam sua segurança externa (a validade de seu grupo) e interna (sua boa consciência). A Verdade de uns é o Mal dos outros.
A guerra não é mais que a materialização do nosso medo interno de ser autônomos, já que a autonomia supõe renunciar a esta pertença e a esta segurança física e moral. É a materialização da nossa fidelidade infantil e fundamentalista a uma Verdade que nos ajudou a nos integrar, a pertencer, a ser reconhecidos pelos outros e sentir-nos importantes.
Já é hora de despedir-nos da superioridade de nossa verdade. Não existem dois seres humanos que criam exatamente o mesmo. Por isso, temos tanta dificuldade em aceitar profundamente qualquer outra pessoa.
Renuncio a que minha explicação da vida seja a única válida: é fruto do meu passado, e se houvesse nascido em outro país ou em outra época meu desenvolvimento teria sido diferente e minha crença sobre a vida, o mundo, a justiça, o bem e o mal também.
Tudo o que existe cria seu contrário, tudo existe por polaridade, até que os polos se fusionem, se reconciliem, criando uma nova unidade, superior às duas anteriores, que por sua vez, criará uma nova polaridade…
Quando rejeito ou nego algo, e somente me agarro a minha polaridade, o que rejeito aumentará. Quanto mais me radicalizo, mais se radicalizará o oposto. É lei de vida. A única solução para que algo desapareça é incluí-lo. A solução à guerra é incluir, incluir e incluir.
Fecho os olhos e me abro a todos. A todos como somos. Sou mais um. Mais um em todos os aspectos.
Vejo-me com minha Verdade, honro-a, agradeço-lhe, vejo as fidelidades que tenho detrás dela e a faço menor. Não é mais do que minha verdade, aqui e agora.
E agora vejo os outros, cada um com sua Verdade, e detrás de cada verdade, suas realidades e suas fidelidades. Honro todos os outros e agradeço-lhes serem como são.
Honro todos como somos.
Referente aos nossos pais, cada um também têm sua verdade, a verdade para minha mãe é diferente da verdade para meu pai. Cada pessoa é fiel ao seu passado, a sua experiência e ao que a guia.
Eu existo porque entre os dois se fizeram um. Sou ambos, sou a fusão dos dois.
Então, decido renunciar a minha preferência pelo meu pai ou minha mãe. Ambos, pai e mãe, são igualmente valiosos para mim. Ambas as verdades, a do meu pai e a da minha mãe, são igualmente válidas para mim.
Olho para meus pais e abranjo-os em um só olhar, os dois juntos, estejam como estiverem, estejam onde estiverem. Honro os dois ao mesmo tempo, com o mesmo agradecimento e a mesma entrega.
Frequentemente, minhas convicções são totalmente viscerais. Não as posso argumentar. Quando as sinto criticadas ou ameaçadas, mesmo que seja levemente, sinto uma emoção que me extravasa completamente, sinto-me em perigo, angustiado, desesperado, torno-me irracional, intransigente, violento inclusive. São todos os sinais de um antigo trauma, de uma emoção bloqueada por uma vivência dramática da minha infância que ainda não digeri. Toda educação grava, se não a ferro e fogo, suas leis, sim com culpa e ameaça do pior, à submissão aos seus mandatos. Aproximar-nos de quem levantou o jugo destes mandatos produz pânico.
Represento este extravasamento, e deixo levar-me por ele para trás em minha vida. Até chegar a um lugar do meu passado. Aí espero, deixo que o lento movimento da cura apodere-se de mim, até que o extravasamento se deite no chão, rendido, ausente, acabado.
Penso novamente na última situação que provocou esse extravasamento emocional, e percebo que já não me afeta, estou tranquilo, posso escutar os outros e conversar com calma.
Ás vezes, minha convicção é uma verdadeira obsessão. Não me deixa liberdade. Sinto-me preso, possuído, não posso razoá-la.
Toda obsessão é um chamamento sistêmico de uma intrincação com um ancestral. Um ancestral que não consegue encontrar a paz por uma culpa que não pôde assumir em sua vida.
A cura virá com o próximo exercício:
Imagine um lugar para você, outro para sua “obsessão” e outro para o ancestral. Coloque-se alternativamente em cada um, e deixe-se movimentar muito lentamente, sem saber que deseja de você o movimento. Deixe fazer. Decorrido um tempo, a obsessão terá ido embora com o ancestral, e o ancestral terá se retirado. Você, então conscientemente, honrará o ancestral e lhe agradecerá a vida que lhe vem dele.
A sistêmica observa que quando em uma estrutura os de cima estão enfrentados, porém não o assumem, os de baixo vive uma guerra aberta entre si. Por exemplo, quando em uma família os pais reprimem seu ódio recíproco, os filhos estarão divididos em dois grupos que se odeiam, sem saber por que. A mesma coisa acontece em uma organização. Se dois mandos ocultam seu enfrentamento, os subalternos estarão em confrontação constante e imotivada. No momento no qual os “grandes” do sistema, pais ou mandos, comunicarem-se e expressarem seu enfrentamento, os “pequenos” se acalmarão.
Então, agora posso realizar um exercício mais, a serviço da paz no mundo:
Escolho duas pessoas, dois países ou dois sistemas, que representem hoje para mim os líderes das posturas mais enfrentadas no mundo. Coloco um na minha mão esquerda e outro na minha mão direita. Vou olhando-os e sentindo.
Honro e agradeço a cada um por ser como é.
Agora, faço que as duas palmas se olhem. Os dois poderosos olham-se.
Muito lentamente, aproximo as duas mãos. Até que se toquem, e se fusionem os dois opostos.
Com muitíssimo respeito, sinto a transformação em minhas mãos.
Aproximo-as do meu peito e tomo no meu coração os dois poderosos fusionados.
Brigitte Champetier de Ribes
Publicado em “La revista Espacio Humano” em março 2014.
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Fiquei pensando em como seria encarado este texto por aquelas pessoas que nunca participaram de um exercício sistêmico, ou uma constelação familiar...mas em seguida concluí que elas absorveriam apenas o necessário.
Resolvi deixar.
Boa semana
Tais