"As constelações familiares também funcionam sempre como terapia de casal. Juntamente com os processos entre pais e filhos, a relação entre o homem e a mulher é o coração da Psicoterapia.
É bem verdade que, nos chamados “movimentos da alma”, nosso horizonte se estendeu para além da constelação familiar, abrangendo nossa inserção em contextos existenciais mais amplos:
A relação entre vivos e mortos e entre agressores e vítimas, a guerra, conflitos de nacionalidades e religiões.
Não obstante, as constelações voltam sempre a afetar em seus efeitos a relação conjugal e as relações familiares.
O sucesso do amor entre o homem e a mulher talvez seja o nosso anseio mais profundo, e o fracasso desse amor faz parte de nossos medos e sofrimentos mais profundos.
Surpreende-me sempre constatar que a pressão pelo sucesso das constelações nos grupos para casais é muito maior do que nos seminários para pessoas doentes, onde freqüentemente se trata de vida e de morte.
No aconselhamento de casais percebe-se também, de modo especial, uma alta expectativa dirigida ao terapeuta ou ao aconselhador. Pois trata-se de decisões sobre o prosseguimento da vida em comum e das conseqüências que acarretam para os parceiros, os filhos e as bases materiais da vida.
Trata-se também das mágoas e dos medos associados ao amor, onde somos ainda mais vulneráveis do que no tocante à nossa
integridade física.
Na seqüência, abrirei uma perspectiva de conjunto sobre os caminhos da terapia de casal, a partir da experiência com as constelações familiares e do trabalho com os fatores que as condicionam.
Pressupostos para o bom êxito de uma terapia de casal
Os casais procuram ajuda em suas necessidades, mas freqüentemente com idéias que estragarão qualquer ajuda se forem acolhidas pelo terapeuta. O denominador comum dessas idéias é o abandono da responsabilidade pelo sucesso do aconselhamento.
Neste particular, a fantasia usual de um ou de ambos os parceiros é que algo se deteriorou em seu relacionamento e que cabe ao terapeuta, como perito e especialista, repará-lo em sua “oficina”.
Ou então o casal procura um juiz para resolver o seu caso, alguém que ouça os argumentos das ambas as partes e dê o seu justo veredicto.
Alguns buscam no terapeuta, de um modo mais pessoal, uma autoridade cheia de amor que, à maneira de um aliado, um pai ou uma mãe, saiba o que se deve fazer e se imponha ao outro parceiro.
Conflitos de casal assumem freqüentemente a forma de um desacordo em decisões relevantes, onde cada um procura mudar o outro para que se ajuste a sua experiência de vida, a seus desejos e convicções.
Como, apesar de intensos esforços, não lhe bastou para isso a força de sua persuasão, ele transmite ao terapeuta, de forma aberta ou velada, o seu real desejo:
“Convença-o você, eu não consigo”.
Mormente no atendimento individual, quando apenas um dos parceiros procura conselho, transparece este apelo:
“Meu parceiro não me dá o que preciso, não me dá atenção, não está disponível para mim.
Por favor, dê-me atenção, esteja disponível para mim, seja para mim uma pessoa familiar e confiável”.
Assim, o terapeuta é solicitado a preencher uma lacuna para a satisfação das necessidades infantis ou conjugais do cliente.
A montagem da constelação familiar, em sessão de grupo ou na consulta individual, com a preservação da atitude fenomenológica que fundamenta esse trabalho, ajuda o terapeuta a não acolher esses desejos com a intenção de ajudar o casal.
Em vez disso, ele deve manter a atitude imprescindível para se alcançar uma solução. Ele entra em sintonia com a alma ou com o campo de relacionamento do casal.
Acompanha a vibração do sistema do relacionamento, através da constelação ou de outro método que lhe permita ver e entrar em contato. E faz com que se manifeste, através daquilo que se mostra, algo que seja importante para o casal e o faça avançar.
O terapeuta apenas transmite uma indicação ou um conselho essencial, e depois se retira. Não acompanha o processo do casal até a solução.
No máximo, comporta-se como um navegador experimentado que, de acordo com o objetivo do casal, indica o caminho ou mesmo assume o comando em seu trecho inicial.
Terapeutas não são mecânicos, juizes, correligionários, pais ou familiares.
Um aconselhamento de casal não tem por função modificar a personalidade dos parceiros. Ele permanece sempre incompleto e visa apenas o que é exigido para o próximo passo.
Um aconselhamento de casal não tem por função modificar a personalidade dos parceiros. Ele permanece sempre incompleto e visa apenas o que é exigido para o próximo passo.
Permanecem com o casal o objetivo e o caminho da solução, bem como a responsabilidade e a força para resolver o problema.
Assim se preserva a dignidade do casal, bem como a do terapeuta.
O que o aconselhador pode fazer de mais importante pelo casal em sua necessidade, antes mesmo de abrir-lhe uma nova perspectiva sobre sua mútua relação, é interromper os padrões que impedem e destroem o relacionamento.
Da mesma forma como recusa acolher as idéias dos parceiros sobre a maneira de ajudá-los, ele interrompe rapidamente os padrões de pensamento e de comportamento que são parte do problema e não trouxeram ajuda até o momento.
As constelações familiares, seja em grupo ou em sessões individuais, são uma grande ajuda metódica, já pelo simples fato de que afastam imediatamente os parceiros de discursos estereotipados sobre o relacionamento, levando-os a um olhar conjunto sobre a constelação e, consequentemente, sobre os movimentos mais profundos que fazem progredir o seu relacionamento.
Soluções com vistas às ocorrências dentro do relacionamento do casal
A atenção do aconselhador ou do terapeuta deve se voltar inicialmente para o que ocorreu na história do casal, investigando o que aconteceu por obra do destino ou por responsabilidade pessoal de um ou de ambos os parceiros e os levou aos limites de seu relacionamento.
Cito aqui alguns pontos mais importantes, com breves exemplos.
Vínculos anteriores não honrados
Relacionamentos anteriores que criaram vínculo através de um profundo e marcante exercício da sexualidade e foram desfeitos com mágoas ou sentimentos de culpa, pelo menos de um dos parceiros, interferem nas relações ulteriores.
Quando o amor, a dor e o preço pago na ligação anterior não são honrados no novo relacionamento,
Isso não apenas induz filhos dos novos relacionamentos a representar ex-parceiros dos pais que não foram devidamente respeitados, como também impede,
Muitas vezes, os novos parceiros de assumir sua relação, pelo preço que custou aos parceiros anteriores.
O ciúme, por exemplo, é uma forma inconsciente de lealdade a uma ligação anterior do parceiro.
Quando um homem abandona sem necessidade sua mulher para viver com uma amante, o ciúme desta freqüentemente destrói a nova ligação. Ela não consegue assumir a relação pelo preço que custou à parceira anterior, e torna-se igual a ela no medo de perder o homem para uma outra mulher.
As ligações anteriores são muitas vezes esquecidas, reprimidas ou não reconhecidas em seus efeitos posteriores.
Um homem se queixou de que, depois de dois casamentos e de um terceiro relacionamento mais longo, apaixonara-se de novo, mas a mulher não queria casar-se com ele. Em sua constelação verificou-se que todas as mulheres estavam zangadas com ele, inclusive as das filhas de seu primeiro matrimônio.
Só após um persistente interrogatório ele revelou, com um gesto depreciativo da mão, que aos 17 anos tivera um amor de juventude com intenso envolvimento sexual e que, pouco depois de ter-se separado dessa moça, ela foi internada numa clínica psiquiátrica.
Uma representante dessa mulher foi então incluída na constelação. Ela chorou amargamente e todas as outras mulheres tinham lágrimas nos olhos.
Somente quanto o homem a encarou como seu amor de juventude, falou-lhe como a sua primeira mulher, mostrou compaixão com seu destino e a abraçou de novo com amor é que ela ficou tranqüila e sorriu.
As outras mulheres também abriram sorrisos e a última delas disse:
“Agora já posso pensar em casar-me com ele”. E, de fato, os dois se casaram depois.
Ocorrências traumáticas no relacionamento conjugal
Entre as ocorrências que atuam como graves ofensas na relação de um casal e com freqüência acarretam a separação, porque o destino não pode ser carregado em comum,
Enumeram-se:
-Filhos prematuramente falecidos,
-Abortos provocados,
-Abortos espontâneos em grande número
-Ausência de filhos,
-Sexualidade deficiente,
-Doenças graves,
-Acidentes,
-Culpa real ou imaginária em relação ao parceiro ou a outras pessoas,
-Ameaça às bases da existência e graves ameaças à integridade do corpo ou da alma.
Com a ajuda de uma constelação é possível conjurar forças que possibilitem aos parceiros a superação conjunta do evento traumático, reforçando o vínculo ou então levando-os a aceitar o fato de que já não podem assumir em comum o destino ou a responsabilidade.
Uma mulher procurou um grupo porque buscava um caminho para dissolver o “profundo mutismo” que havia entre ela e o marido.
A constelação de sua família atual mostrou realmente que havia um abismo entre o casal, o que fez com que a atenção se desviasse imediatamente dos filhos para os pais.
Perguntada sobre que fatores de separação houvera entre ela e o marido, a mulher logo disse que tinha havido ainda uma quarta criança, bem mais nova, fruto de uma noitada, que eles decidiram abortar.
Foi colocado um representante para essa criança, que sentou no chão, entre os pais.
Os representantes dos pais olharam imediatamente para a criança, colocaram-se juntos atrás dela, puseram espontaneamente as mãos sobre sua cabeça, olhavam alternadamente para a criança e entre si e deixaram silenciosamente correr suas lágrimas.
A mulher que colocara sua família estava sentada na roda e também chorava em silêncio.
Os representantes dos filhos deram um passo para trás, afastando-se dos pais, e simplesmente ficaram olhando.
Terminada a constelação, a mulher agradeceu e disse que ela tinha salvado a sua vida. Admirado, o terapeuta lhe perguntou o que ela queria dizer com isso.
Ela respondeu: “Pouco depois do aborto apanhei um grave reumatismo e imediatamente reconheci que esta era a minha forma de expiar pelo aborto”.
No dia seguinte, ela contou que, na noite do próprio dia da constelação, seu marido regressou de uma longa viagem de negócios e ela lhe contou o que se passara. Então ele se sentou no sofá, chorou muito e disse: “Eu sempre me senti muito culpado”.
E passaram toda a noite conversando.
Num grupo de constelação familiar, um homem manifestou, como seu problema, que sua mulher se esquivava dele e tratava sem amor a filha e um filho mongolóide, que estava internado num asilo.
Na constelação, a mulher realmente se mostrou isolada e totalmente fria.
Os três filhos – pois tinha havido um outro filho mongolóide, o mais novo, falecido aos quatro anos de idade– se distanciaram dos pais, afastando-se, e a filha se colocou entre a mãe e os irmãos, como se quisesse protegê-los.
O terapeuta perguntou então ao homem se tinha havido recriminações pelos filhos que nasceram mongolóides.
O homem engoliu em seco e disse:
“Sim, meus pais fizeram graves acusações à minha mulher, dizendo que ela trouxera da família uma péssima herança genética e jamais deveria ter-se casado comigo. E eu defendi meus pais e suas acusações”.
Então o terapeuta colocou esse homem diante da representante de sua mulher e pediu aos dois que se olhassem demoradamente, realmente encarando-se. Isso entretanto era visivelmente difícil para eles. Finalmente o homem conseguiu dizer à mulher: “Sinto muito. Coloquei em você todo o peso do destino de nossos filhos doentes.
Juntamente com meus pais, responsabilizei você e sua família e a magoei muito.
Se você ainda puder aceitar isto, estou disposto agora a retirar minha acusação e a carregar com responsabilidade e amor, junto com você, o destino de nossos filhos”.
– Então a representante de sua mulher se lançou em seus braços e chorou por longo tempo. Em seguida ela o encarou amorosamente, caminhou para os filhos e os abraçou.
Quando o pai se aproximou, por sua vez, e juntamente com sua mulher abraçou os filhos, eles finalmente aceitaram a proximidade da mãe.
Na terapia de casal e nas constelações que revelam a dinâmica dos relacionamentos verificamos portanto, quais são os eventos que atuam como fatores de separação num relacionamento e que caminho se oferece ao casal no sentido de carregar algo em comum, restaurar a ligação, assumir a dor da perda e deixar que o passado seja passado.
E verificamos como um casal pode lidar com tais eventos.
Mesmo quando for inevitável a separação, os acontecimentos que separam podem, passado algum tempo, descansar em paz e a relação pode terminar com amor e dignidade.
A ordem confiável na família
Freqüentemente o amor entre o homem e a mulher é impedido por não serem reconhecidas as condições para o crescimento da relação. Neste caso, a constelação é útil para encontrar as formas de restabelecer a ordem no sistema.
Por exemplo, uma das condições mais importantes para o bom êxito do amor é que, no processo de dar e tomar, se volte sempre a alcançar uma compensação positiva.
Quem toma, também deve dar; se ama, deveria dar um pouco mais do que recebeu. Assim, através do amor, a troca recíproca é estimulada no sentido de um alto investimento de vida.
A isto chamamos felicidade. Mas essa felicidade é também difícil. Ela exige muita coisa dos parceiros, que então dificilmente podem separar-se.
Às vezes, alguém já não consegue sustentar a troca crescente do dar e tomar, e talvez se sinta atraído por um outro parceiro, com quem possa trocar menos. Ou então minimiza com críticas o que recebe, para sentir-se menos obrigado.
A compensação entre o dar e o tomar funciona nos relacionamentos como uma lei natural. Se o desequilíbrio cresce demais, a relação não consegue suportá-lo.
Se, por exemplo, a mulher custeou para o marido uma formação superior, sustentando-o, é freqüente que ele a deixe depois, porque a compensação se torna muito grande e difícil para ele.
Quando um dos parceiros traz um grande peso em bens, relacionamentos anteriores, filhos, destino, caminho de vida, e o outro não pode contrapor-lhe nada de equivalente,
Isso pode destruir o relacionamento depois de algum tempo.
A gratidão e o amor podem aliviar parte do desequilíbrio, mas muitas vezes é difícil.
Também as ofensas exigem compensação. Enquanto o parceiro ofendido quiser permanecer inocente não haverá possibilidade de compensação.
Se, inversamente, o revide for tão grande que cause ao outro um sofrimento ainda maior, a relação entrará num círculo vicioso de brigas e ofensas recíprocas, que só conhecerá pausas pelo esgotamento e geralmente sobreviverá a uma separação.
A solução, neste caso, é buscar a compensação através de uma zanga ou de uma exigência menos ofensiva, que respeite o parceiro e o convide a retomar o amor, dando-lhe a oportunidade de reparar algo amorosamente e de dar algo bom de um modo diferente.
Citarei aqui, de modo sucinto, outras formas das ordens do amor.
A primeira é a primazia da relação do casal sobre o cuidado dos filhos – pois o cuidado dos pais pelos filhos aumenta com o amor recíproco entre os pais.
Se este é sacrificado em benefício do cuidado com os filhos, isto separa os pais e os filhos não o aceitam, porque os pais pagam o preço em sua relação.
Já nos sistemas familiares complexos, onde existem filhos de relações anteriores, a ordem correta confere primazia ao cuidado pelos filhos dessas relações.
Contudo, no que toca à relação entre o homem e a mulher, prevalece o novo sistema.
Naturalmente resultam conseqüências de peso para uma relação e para os filhos quando um parceiro que tem um filho de uma relação anterior silencia este fato e não provê a criança.
Para além da ignorância do fato, isso pesa também sobre o relacionamento seguinte e os filhos subsequentes.
Obviamente, é muito importante que a relação do casal seja confiável como relação entre um homem e uma mulher.
Por outras palavras, o homem deve ser e permanecer homem e a mulher deve ser e permanecer mulher.
Os parceiros devem sentir necessidade e confiança mútua, sobretudo no que se refere à sexualidade e ao provimento das condições de vida.
Devemos considerar também outra ordem do relacionamento, fruto da percepção que Bert Hellinger exprime com esta frase: “
A mulher deve seguir o homem (em sua família, em seu país, em sua cultura) e o homem deve servir ao feminino”.
Na terapia de casal devemos, portanto, ter em vista o que está em desequilíbrio na relação e como é possível restaurar uma troca positiva e aberta para o futuro. Ou então conseguir uma compensação que possibilite uma boa separação.
Verificamos, ainda, o que precisa ficar em ordem na relação, de modo que ela volte a ser vivida de uma forma confiável."
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A figura do casal é central em nossa vida. Nós somos resultado de um relacionamento afetivo e muitos de nós escolhemos também este modelo de relacionamento quando adultos.
É a partir do relacionamento entre um homem e uma mulher que é possível passar a vida adiante. É através do encontro entre duas pessoas que uma terceira é possível. E esse é um trabalho importante para o fluxo da vida.
Ainda assim, poucos tipos de relacionamentos apresentam tantos desafios quanto a vida a dois. Mesmo que haja o sentimento do amor, ou da paixão, às vezes o relacionamento não flui como esperamos. Ou como desejamos.
Vocês puderam, através deste artigo, perceber alguns indícios do porquê que isso acontece.
O olhar da Constelação nos mostra o que é um gatilho para as crises e as dificuldades de um casal. Isso porque o sentimento de falta está ligado com um afeto esperado do pai ou da mãe, que nenhuma outra pessoa é capaz de suprir, independente do nível de afeto que seu parceiro ou parceira esteja disposta a dar.
“Portanto, a ordem do amor entre o homem e a mulher envolve também uma renúncia, que já começa na infância. Pois o filho, para se tornar um homem, deve renunciar à primeira mulher em sua vida, que é sua mãe. E a filha, para tornar-se mulher, precisa renunciar ao primeiro homem de sua vida, o seu pai.”
(Bert Hellinger, no livro “No centro sentimos leveza)
Boa semana
Tais
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