Talvez a explicação mais simples seria esta: o cliente exterioriza sua imagem interna, e a posição dos representantes reproduz uma certa estrutura de relacionamento que está arquivada em nosso aparelho de percepção, com sua respectiva dinâmica. Mas como se explica que os representantes sintam coisas tão diversas em constelações de configurações semelhantes ou mesmo idênticas? Por que razão surgem nas constelações processos que tocam emocionalmente o cliente e fazem sentido para ele, mesmo quando o terapeuta escolhe e coloca os representantes, ou quando se coloca apenas uma pessoa - para não falar das chamadas “constelações invisíveis” -?
Uma teoria bem aceita entre os círculos de consteladores é a de Ruppert Sheldrake e seus “campos morfogenéticos”. Entretanto, mesmo ela, só nos fornece, até o momento uma explicação de caráter mais metafórico. Mas a falta de uma explicação científica para um fenômeno observável não prova a inexistência desse fenômeno. As observações de uma “participação psíquica” para além das informações comunicadas são tão numerosas e tão independentes da experimentação dos consteladores individuais que também pode ser útil a observação atenta de pessoas externas à “cena”.
Por exemplo, um representante coloca de repente as mãos nos ouvidos e diz: “Não estou escutando nada” e o cliente que colocou as pessoas diz, estupefato: “Meu irmão, quando era pequeno, ficou soterrado na guerra e desde então ficou surdo”. O que acontece num caso como este?
Outro exemplo: O representante do irmão de uma cliente é introduzido na constelação dela, e a representante da cliente exclama: “Não tenho mais o antebraço”, e a cliente exclama, espantada: “Meu irmão teve de amputar o antebraço aos vinte anos depois de um acidente”. O que explica este caso?
Mais um exemplo: Numa constelação, o representante do avô da cliente leva ambos os braços ao rosto. Perguntado sobre o que acontece, responde: “Algo me atinge os olhos e me arranca a cabeça”. Com efeito, esse avô, quando mostrava à sua tropa como desarmar uma granada, a fizera explodir por descuido e ela lhe arrancou a cabeça. E não foi dada informação prévia sobre esse fato.
Tais exemplos poderiam prosseguir indefinidamente. Naturalmente, tais observações dramáticas não constituem a regra nas constelações, porém são suficientemente freqüentes para gerar confiança no que se manifesta nelas.
Um professor que veio participar de um grupo com ceticismo, escreveu posteriormente numa carta: “... Embora me pareça haver muito de verdade na forma de ver o mundo como uma união de almas, na necessidade de intervir reconciliando e de proporcionar a cada criatura seu lugar condigno, parece-me um mistério que pessoas estranhas fiquem disponíveis e caiam em bloco sob o feitiço de pessoas inteiramente desconhecidas, comportando-se como elas. Minha própria constelação atestou isso, na medida em que os representantes agiram de um modo incrivelmente “autêntico”, inclusive em alguns detalhes que não puderam perceber de nossa conversa preliminar, por exemplo, a reação de minha filha...” Todos os consteladores conhecem declarações e surpreendentes concordâncias como esta, mas essas experiências não constituem provas. Seria preciso sermos cegos se pretendêssemos simplesmente ignorar esses fenômenos que questionam nosso entendimento atual de processos de informação.
Explicar os fenômenos das constelações como frutos de sugestão pelo constelador ou como uma espécie de mágica de grupo ou mesmo como charlatanismo seria igualmente precário. Presume-se que, dentro de prazos previsíveis, os cientistas irão examinar em que medida o recurso à constelação será válido para a pesquisa socio-psicológica e para os processos terapêuticos, e irão desenvolver novas teorias, talvez fundamentadas, sobre essa difusão de informação em contextos anímicos e comunicativos. Também em muitos domínios das ciências naturais a teoria freqüentemente se segue à observação. A falta de uma teoria não significa ainda, que estamos nos movimentando em áreas esotéricas. Além do mais, muitas teorias até aqui não confirmadas da moderna física, por exemplo, a teoria dos universos paralelos, fazem um efeito bem mais espetacular e “esotérico” do que o que observamos nas constelações.
Os mortos
Num filme amador, perguntaram a um curandeiro do Nepal, quem procurava um médico em caso de necessidade, e quem vinha até ele. O curandeiro respondeu que os que tinham doenças comuns procuravam um médico, e aqueles sobre quem pesava a maldição de algum morto vinham até ele. O encontro com os mortos, a quem somos existencialmente ligados, toma um grande espaço nas constelações.
Sem constrangimento, os consteladores tomam pessoas vivas para representar mortos, para que possa ser esclarecido, com seus efeitos, um envolvimento cego ou um seguimento amoroso para a morte. Acontecem então impressionantes encontros entre vivos e mortos, e são iniciados curtos diálogos que ajudam a união de corações, a paz recíproca e a liberação mútua. Será um fantasma?
Nada sabemos sobre a existência dos mortos em torno de nós ou num outro mundo. Porém, todos sabemos que um laço entre vivos e mortos permanece na alma para além da morte. Falamos com mortos, lembramo-nos deles nos cemitérios ou em discursos, continuamos a amá-los e a temê-los como se não tivessem morrido. Nossas questões existenciais, em sua maioria, abordam, além do amor, a morte. E quem olha em torno com certa atenção pode perceber diariamente como a morte e os mortos sobressaem em nossa vida.
O trabalho das constelações retoma, de uma forma não mágica e realizável pelo homem moderno, antigos ritos xamânicos em favor da paz entre vivos e mortos. Como é tocante quando numa constelação, uma mulher adulta se deita nos braços da mãe que perdeu quando criança em virtude de um acidente! As emoções da criança, talvez bloqueadas pela carência e pela dor, passam a fluir, e o amor e a despedida podem ser agora realmente vividos. Como se sentem aliviados os representantes de mortos que são reconhecidos pela primeira vez como pertencentes à família, ou dos que, porque honrados em seu sofrimento, se livram de uma maldição! Como se sentem liberados os representantes de criminosos ou de vítimas quando sua condição de culpados ou de vítimas já pode ficar com eles, e os vivos renunciam a se intrometer nisso! Como se sentem redimidos os representantes de mortos quando se sentem acolhidos entre outros mortos e já podem realmente ser acolhidos na “grande morte”!
Não é de hoje que tendemos a reprimir a morte e as ligações carregadas de dívidas que por amor, medo ou dor mantemos com os mortos e com as histórias de suas vidas. Isso já é, de longa data, conhecido pela psicoterapia. No decurso de nossa evolução cultural, perdemos o acesso a muitas formas rituais e sociais de superação da morte e de respeito pelos antepassados. Mesmo sem as constelações familiares, e muito tempo antes delas, existe um profundo anseio de lidar com o morrer, a morte e os mortos de uma forma liberadora e pacificadora. E para isso, as pessoas sempre precisaram de um apoio, por exemplo, através de um sacerdote ou com a ajuda da psicanálise ou da assistência ao morrer. Nesse ponto, o trabalho das constelações assume uma necessidade profunda e supre talvez uma lacuna de rituais e de luto coletivo.
Além disso, as constelações abrem a perspectiva para o enquadramento psíquico maior do encontro com a morte e com os mortos na alma. Elas fazem ver o fato individual enquanto enquadrado no contexto e na história da família, ou de um grupo de camaradas que viveram juntos coisas terríveis na guerra, ou no destino comum de perpetradores e vítimas, e sempre transcendendo a morte. Ou elas abrem a alma para a “grande morte”. Isto só parece estranho e até mesmo absurdo quando é encarado de longe e não no contexto da contemplação e da experiência imediata. Para os clientes envolvidos e os participantes de grupos, o encontro entre vivos e mortos geralmente se realiza como que naturalmente e é muito emocionante e curativo. E mesmo que não saibamos ao certo o que acontece nas constelações nos domínios fronteiriços dos vivos e dos mortos, podemos perceber o seu efeito e nos apoiar nisso. Neste particular, as constelações atuam como uma “cura de almas”.
A reconciliação
A palavra grega therapêuein significa, em sua acepção original, “servir aos deuses”. Embora em nossa época a terapia seja vista de uma forma profana, nela permanece algo do sentido primitivo da palavra, na medida em que, decaídos de uma ordem ou abandonado uma opinião e um bel-prazer que nos prejudicam, retornamos a uma ordem saudável. Em nosso linguajar coloquial, exprimimos isso com as palavras: “Preciso pôr alguma coisa em ordem”. Os conflitos da alma surgem quando forças contrárias nos dividem inconciliavelmente e conservam-se em oposição irredutível em nós ou entre nós. A psicoterapia é sempre um trabalho de mediação e reconciliação, embora várias tendências terapêuticas tenham enveredado pelo caminho oposto, enfatizando a auto-afirmação, uma perspectiva unilateral da autonomia pessoal, a separação e a luta, por exemplo, contra os pais, os destinos funestos ou as pessoas consideradas más.
Bert Hellinger, ousando chegar a limites extremos, trilhou imperturbavelmente um caminho que pode abrir dimensões novas (ou retomar antigas, de uma nova maneira) para a solução de conflitos e o trabalho de reconciliação.
Os passos para a reconciliação, embora basicamente simples, geralmente nos parecem difíceis. O procedimento inicial faz com que os perpetradores reconheçam o mal que fizeram às vítimas. Precisam assumir as conseqüências de suas ações e encarar as vítimas e seus sofrimentos. Um segundo procedimento induz as vítimas a encarar os perpetradores e a aceitar sem reservas sua ligação de destino com eles. A vítima precisa abandonar a atitude de se julgar melhor e de se colocar, mesmo perdoando, acima do perpetrador. Num terceiro procedimento, tanto as vítimas quanto os perpetradores e os descendentes de ambos honram o acontecimento funesto. Reconhecendo suas oposições, todos eles, em sua condição de vítimas ou de perpetradores e com seus sentimentos de vingança e de expiação, se entregam a uma força maior que é “indiferente” para com bons e maus, assim como o sol brilha sobre ambos, e a morte os trata com igualdade.
A dificuldade de aceitar criminosos em condição de igualdade e em sua dignidade humana é uma experiência comum para os consteladores. Um exemplo: Uma mulher contou que sua mãe, quando era jovem, foi violentada e quase morta. Confrontada na constelação com o representante do perpetrador, essa mulher gritou para ele, cheia de ódio: “Eu mato você!”. Quando o terapeuta observou que sua frase fôra a mesma do agressor diante de sua mãe, ela ficou profundamente impressionada. Ela viera ao grupo porque os homens sempre a abandonavam, alegando terem medo dela. Vê-se como é difícil conceder ao criminoso um lugar na própria alma e no sistema familiar, e reconhecê-lo como equiparado à sua mãe. Às vezes, as próprias vítimas são mais capazes de fazer isso do que seus amorosos descendentes, que não dispõem dos mecanismos de elaboração da pessoa envolvida, e por isso ficam entregues à indignação ou ao desejo de vingança e de cega compensação.
Outras vezes é mais fácil para os descendentes, devido ao maior intervalo de tempo, atuar na reconciliação, ajudando as almas do agressor e da vítima a se encontrarem face a face e a se reconciliarem. Às vezes, só resta aos atingidos o esquecimento e, reconciliados ou não, o assentimento e a reverência diante do destino que os associou como vítima e agressor. E aos pósteros, só resta às vezes a reverência diante dos antepassados, reconciliados ou não. Talvez eles possam se tornar “permeáveis” a algo maior no que toca ao efeito do destino de vítimas e agressores, para que esse efeito possa ser abolido nessa realidade maior.
É o próprio processo da constelação que determina como iniciar a reconciliação ou o que é preciso observar em cada passo. O terapeuta limita-se a olhar e a escutar a alma do cliente e de sua família, abrindo espaço, com suas poucas intervenções, às forças que resolvem os conflitos e atuam de forma reconciliadora. Seja qual for o caso, abuso ou assassinato de filhos, trapaça financeira, paternidade clandestina, traição, atrocidades de guerra, extermínio de judeus ou terrorismo de qualquer espécie, as constelações mostram uma força incrivelmente reconciliadora e liberadora, em que pesem as imperfeições e as tentativas frustradas, superficiais ou mesmo traumáticas dos consteladores.
Acusar de anti-semitismo ou de tendências fascistas esses procedimentos das constelações é uma atitude absurda e degradante. Que, depois de homenagear as vítimas, também se encare a dignidade dos perpetradores e as fronteiras imprecisas entre criminosos e vítimas, é uma atitude que choca muitas pessoas, e os próprios consteladores enfrentam dificuldades na presença de graves injustiças. Mas quem lê as publicações mais recentes percebe também a manifestação de um novo empenho, não somente para que sejam honradas as vítimas e seu destino, mas também para que os criminosos sejam considerados como seres humanos e seja respeitada sua dignidade. Foi um rabino judeu que afirmou: “Não haverá paz até que o último judeu faça a oração dos mortos por Hitler”. Embora Bert Hellinger e os consteladores não estejam sozinhos nesse trabalho de reconciliação que honra tanto as vítimas quanto os criminosos, o significado do “amor aos inimigos” dificilmente é experimentado no domínio da psicoterapia e do aconselhamento de forma tão sensível como nas constelações.
Entretanto, não existem realmente diferenças objetivas entre bons e maus? E a observação de que tanto as vítimas quanto os criminosos estão a serviço de um destino maior, não abre ela as portas para a arbitrariedade e a injustiça no comportamento humano? Não podemos dizer que temos sempre uma resposta para isso, mesmo abstraindo de destinos concretos. Muitas vezes, porém, um primeiro passo importante para a reconciliação e a paz, apesar das oposições e mesmo da luta pela própria causa, que freqüentemente é necessária, é reconhecermos o adversário como igual a nós e não nos considerarmos melhores do que ele.
Diariamente experimentamos que a realidade costuma ser maior do que nossa vontade. Mesmo quando criamos uma realidade, nem sempre podemos controlar as conseqüências de nossas ações. Um dos efeitos profundos do trabalho das constelações é que nos ajuda a confiar no desenvolvimento do sentimento humano, para além da culpa e das incriminações, renunciando a flagelar nossos semelhantes como desumanos. Só entramos em sintonia com a realidade quando também reconhecemos o funesto e o terrível como fazendo parte dela, e lhes damos um lugar. Muitos desenvolvimentos positivos recebem sua força e seu direcionamento desse reconhecimento e respeito pelo terrível."
Jakob Robert Schneider
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"O solo é Deus, as raízes são os antepassados, o tronco simboliza os pais, e os ramos e as folhas são os descendentes". a Vida de Deus flui e atinge os descendentes quando estes agradecem aos pais - ao tronco - e agradecem às "raízes", através da oração aos antepassados.
Minha mais sincera homenagem aos antepassados de todos àqueles que leem este blog...
Tais