domingo, 2 de agosto de 2020

A retirada – Bert Hellinger


A ARTE DE IR EMBORA.
Retirar-se significa retroceder diante do que mostra mais forte que nós. Com isso nos subtraímos a seu influxo e poder, enfraquecendo-o e impondo-lhe limites. Essa retirada é, portanto, estratégica e temporária. Ela serve pra conservar e concentrar as próprias forças. Faz parte de um movimento mais amplo, que não exclui um avanço posterior.


A retirada também pode ser necessária quando avançamos e invadimos indevidamente. Então retrocedemos diante de algo com que orgulhosamente queríamos competir e que, com razão, se manifesta como maior e mais forte que nós. Essa retirada nos purifica. Através dela, recuamos para nos nossos próprios limites e ficamos modestamente dentro deles.

Retiramo-nos, também, quando algo se completa, por exemplo, uma tarefa, um trabalho. Então o deixamos entregue ao seu próprio movimento e à sua própria força. Não o seguramos e não deixamos que nos segure por mais tempo. Essa maneira de retroceder recolhe para dentro o que estava sendo dirigido para fora: para outras coisas, para outras pessoas. No interior, isso se acalma, pode se renovar, ordenar e concentrar para um novo movimento ou uma nova tarefa.

A retirada também é oportuna quando algo foi superado – um saber, uma experiência, uma conquista, por mais útil, impulsionador e importante que tenha sido; o apego se converte num obstáculo para o novo – para um novo saber, uma nova experiência, um desafio inesperado. Abandonar o que foi, soltar o que guardávamos nos libera para o definitivo e para o possível.

Também nos retiramos quando não somos mais necessários, quando outros tomam o nosso lugar, quando se aproxima e se impõe a despedida definitiva. Ela é a última retirada, o retorno ao centro, no qual torna a cair tudo o que se expandiu. Essa retirada, quando bem sucedida, é a recolhida entrada no definitivo.

“Retirar-se pode ter vários sentidos. Aqui me refiro a uma retirada no sentido de uma realização. O essencial foi realizado, a tarefa central efetuada, a alma já se sente próxima de sua meta. Mas ela não foge. Pelo contrário. Permanece lá, porém, à distância. Está dedicada, mas ainda sem intervir. Observa de modo benevolente e sereno o mundo em ação, também os conflitos e a luta por soluções e o investimento em objetivos sublimes, algumas vezes acha graça de algo e descansa em si mesma. Necessita somente de pouco e de poucos, pois já se desapegou.

Desse modo ela empobrece? Não. Pelo contrário. Aquilo que ela deixou para trás, não se perdeu. Está presente, de forma pura e sem desejos. Alcançou o seu objetivo, está acolhido, aberto. Aquilo que foi deixado para trás é experimentado como plenitude, como felicidade, algo concluído e mesmo assim atua como uma força silenciosa. Esta retirada é rica. Abre a alma para compreensões que, na vida cotidiana, acabaram ficando no pano de fundo. 

Essas compreensões transformam experiências passadas que, mesmo imergindo, permanecem, mas agora de uma forma diferente.

Aquele que se retira deste modo, enquanto permanece, representa um ganho para muitos. Sua presença é benéfica. Os outros podem orientar-se a partir dele, sem que se sintam obrigados, pois em sua presença sentem-se livres.

Dizemos igualmente que Deus se retirou. Mas talvez justamente por isso ele seja aquele que realiza tudo de um modo especial e totalmente diverso, muito para além de nossas imagens e desejos. Somente a sua retirada nos torna receptíveis e preparados para o inacessível e o inominável.”
Bert Hellinger
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