domingo, 24 de junho de 2018

Constelação familiar - caminhos para os casais - parte 2

Continuando publicação da semana passada
Soluções com vistas a acontecimentos e destinos nas famílias de origem

"Talvez o aspecto mais importante na terapia conjugal seja a percepção dos envolvimentos dos parceiros nas respectivas famílias de origem.
Esta é freqüentemente a zona menos perceptível para os parceiros e é aí que as constelações lhes fornecem o maior esclarecimento.
De fato, a terapia de casal sempre levou em conta a interferência de necessidades infantis insatisfeitas e de traumas de infância.
Entretanto, foi somente através das constelações familiares que foram percebidos, em toda a sua amplitude e em seus efeitos trágicos,

Os envolvimentos profundos dos parceiros em destinos que abrangem várias gerações e em temas familiares não resolvidos.
A maioria dos problemas sérios de relacionamento nada tem a ver com o próprio casal e com seu amor recíproco.
Cegamente absorvidos em conflitos não resolvidos, e muitas vezes inconscientes, de antepassados das famílias de origem,

Os parceiros carecem de compreensão e sensibilidade em seu relacionamento e projetam ou procuram resolver um no outro o que malogrou em seus antepassados por força do destino ou por responsabilidade pessoal.

Comportamento cego de ambos os parceiros com respeito a destinos e eventos anteriores

Num grupo para casais, um deles constelou o seu sistema atual. A mulher trouxera para o novo casamento um filho de um matrimônio anterior.
Na nova relação, embora recente, já havia muita briga.
Na constelação evidenciou-se que a mulher tinha muito pouca consideração pelo ex-marido e uma grande esperança de que o novo marido viesse a ser um pai melhor para a filha dela.

A relação entre a mãe e a filha era muito estreita, e o marido atual se sentia estranho e olhava para fora. Nessa constelação, a filha assumiu e honrou seu pai.
O marido atual ficou aliviado e encontrou um lugar ao lado de sua esposa. Parecia que a constelação tinha funcionado e trazido solução.

Entretanto, à noite o marido procurou o terapeuta.
Disse que se sentia muito mal e que também não revelara o mais importante: que tinham sérios problemas no relacionamento sexual, onde ela fazia muitas exigências que ele não podia satisfazer.
No dia seguinte, o terapeuta fez com que o marido montasse a constelação de seu sistema de origem.
Ela evidenciou que o homem tinha uma estreita ligação com sua mãe e assumia junto dela o lugar do pai.
O representante do pai olhava para fora do sistema, totalmente fascinado por algo terrível.
Averiguou-se que, no decurso de uma longa fuga da prisão, que durou três anos, ele fuzilou um homem que lhe barrara o caminho.
Na compreensão desse evento, que foi muito comovente para o casal, evidenciou-se que o marido não ousava aceitar o amor de uma mulher nem gerar um filho,

Porque o regresso do pai ao lar e seu conseqüente casamento com sua mãe só foram possíveis através do assassinato de uma pessoa.
Este era um importante quadro de fundo para os problemas sexuais por parte do marido.

Um cartão postal enviado pelo casal, nas férias que se seguiram, dava a entender que algo se resolvera em sua relação.
Mas esta história ainda teve prosseguimento. Algum tempo depois, a mulher ligou para o terapeuta.

Disse que houvera muitas melhoras no casamento e que o marido mudara muito e estava muito afeiçoado a ela. Mas ela se sentia de novo intranqüila e insatisfeita quanto à relação sexual.
Então, através de duas breves ligações telefônicas, entrou em contato com uma avó que, depois da morte de seu primeiro marido,
Por quem tinha muito amor, tivera uma vida muito infeliz e uma relação muito insatisfatória com os homens que se seguiram.
Percebendo sua estreita ligação com essa avó, a mulher conseguiu acolhê-la amorosamente em seu destino e desidentificar-se dela.
Num outro cartão de férias comunicou que agora estava muito satisfeita e que estava bem com o marido.

A dupla transferência

Um fenômeno freqüente em conflitos sérios entre parceiros aparece no que Bert Hellinger chamou de “dupla transferência”.

Se uma injustiça cometida entre um homem e uma mulher, numa geração anterior, não teve a devida compensação, esta é transferida para seus descendentes.
Ela atinge então pessoas totalmente inocentes, acrescentando uma nova injustiça à primeira.

Assim, por exemplo, uma mulher “bondosa” e compassiva tolera, por anos a fio, os casos públicos de seu marido que muito a magoam,mas sua filha assume a vingança em nome da mãe.
Entretanto, como também ama e protege o pai, vinga-se em seu marido, molestando-o abertamente com um namoro.
A transferência no sujeito significa aqui que ela age em lugar de sua mãe.

E a transferência no objeto significa que a compensação não se dirige à pessoa do pai, mas ao marido.
Embora inocente, este é chamado a pagar por uma injustiça na família de sua mulher.
Ao mesmo tempo a filha torna-se semelhante ao pai em seu comportamento, não agindo melhor do que ele.
Certa mulher estava sempre muito irritada com seu marido e, como ela própria notou, sem razão.

Na constelação, ficou claro que ela representava uma tia que, como primeira filha de mãe solteira, fora totalmente excluída da família por seu avô.
Em substituição a essa tia, a mulher assumiu a raiva pela injustiça mas, poupando o avô, dirigiu-a contra o próprio marido.
Ao mesmo tempo, e sem consciência do fato, deu à sua filha mais velha o mesmo nome da tia.
A história somente lhe foi revelada por uma conversa telefônica posterior com o próprio pai.
Uma outra mulher, que era bonita mas tinha uma fisionomia muito carregada, era seguidamente abandonada pelos homens.
Não dava a impressão de ser agressiva, mas comportava-se como uma vingadora cautelosa, aguardando o momento certo para o golpe.
As informações sobre sua família revelaram que sua mãe, aos doze anos de idade, fora estuprada e quase morta.

Na constelação a mulher experimentou o medo pânico de sua mãe e, assumindo o papel de sua representante diante do agressor, bradou-lhe no rosto: “Eu mato você!”
Foi somente o reconhecimento desse agressor como primeiro homem da mãe,
E uma profunda reverência da mãe e da filha diante do destino que uniu a mãe e seu agressor como homem e mulher num evento terrível e sem saída, que trouxe alívio e luz ao semblante da jovem mulher.
Então ela pôde entender seus impulsos de vingança diante dos homens, e em que medida nisso ela se ligava à mãe e ao mesmo tempo se tornava semelhante ao agressor.

A fascinação de um parceiro pela morte
Uma dinâmica usual que separa os parceiros resulta do fato de que um deles, de algum modo, está mais perto da morte do que da vida.
Essa pessoa não está realmente presente, e toda a luta do outro para retê-lo apenas agrava o conflito.
Assim, certa mulher ficou muito tocada quando, numa constelação,
pôde ver em que direção olhava o ex-marido do qual acabara de separar-se como sua quinta mulher (ele vivia trocando de mulheres).

Na constelação, seu representante não olhava para nenhuma de suas mulheres e namoradas, cujas representantes tinham sido colocadas ali,
Mas apenas para uma antiga noiva que, pouco antes do casamento, morreu num acidente.
Ele queria seguir essa mulher na morte, como se só assim pudesse consumar-se esse grande amor.
Um homem muito bem sucedido e, não obstante, solitário, ficou muito assustado quando se revelou em sua constelação que ele, no meio de todos seus casos,

Levava consigo esta frase: “Antes te amar do que morrer”.

Sentia-se atraído por sua mãe, que morrera muito cedo, e na constelação só encontrou paz junto dela.
É como se tivesse sentido toda a sua vida através dessa atração por sua mãe, e tivesse se defendido dela através desses amores.
E talvez também tivesse procurado encontrar neles sua mãe viva, naturalmente não a encontrando.
Nas camadas profundas da alma de homens violentos e mulheres agressivas manifesta-se, às vezes, um grande desespero,o  medo de perder o parceiro pela morte e uma luta impotente contra isso.

Muitos casamentos fracassaram no pós-guerra porque o homem não conseguia aceitar o fato de ter sobrevivido,
Em face dos numerosos companheiros mortos com quem diariamente lutara pela sobrevivência.
Mesmo voltando para casa, ele desejava, no íntimo, juntar-se aos companheiros mortos.
Abala-nos sempre perceber, no decurso de constelações, em quantos conflitos de casal existe,bem no fundo, uma questão de vida e de morte,
E quanto de emoção e de entendimento mútuo se libera quando isso vem à luz e, na medida do possível, pode ser resolvido.

Gostaria de mencionar aqui, muito rapidamente, uma dinâmica que se revela cada vez mais, logo que ficamos atentos a ela.

Dois parceiros se encontram, em muitos casos, devido à existência de destinos semelhantes em suas famílias de origem.
Quando, por exemplo, há um filho presumido na família de um dos parceiros, o mesmo ocorre, com freqüência, na família do outro, muitas vezes com diferença de uma geração.
Se numa das famílias os homens têm uma posição desfavorável, isso também acontece freqüentemente na outra família.

Se uma das famílias sofre os efeitos de destinos envolvendo criminosos e vítimas, o mesmo ocorre geralmente na outra família.
Parece que instintivamente percebemos no parceiro os destinos de sua família, no que têm em comum com os destinos da nossa.
São bem diferentes, entretanto, os padrões de lidar com tais destinos.
Assim, com freqüência as pessoas se completam pelo lado funesto: por exemplo, um dos parceiros se identifica com as vítimas de um avô no regime nazista,

Enquanto o outro se envolve com um avô que pertenceu às forças de choque do regime.

Quando ambos os parceiros comparecem a um trabalho para casais, em grupo ou num aconselhamento privado, as conexões que vêm à luz proporcionam muita compreensão recíproca e uma visão do quadro de fundo das dificuldades de relacionamento.

Também para o terapeuta é emocionante presenciar quando o auto reconhecimento de um casal envolvido nos destinos familiares se manifesta de uma forma que reforça seu vínculo no amor.

O movimento amoroso interrompido

Uma dinâmica importante nos conflitos de casal se mostra quando há um movimento precocemente interrompido no amor dirigido à mãe.
Isto não constitui, em sua origem, um conflito sistêmico, e só se torna tal quando é transferido para a relação conjugal.
Uma interrupção no movimento amoroso origina-se na criança pequena quando ela é separada da mãe nos primeiros anos de vida, geralmente por força do destino,por exemplo, porque a mãe teve de ficar hospitalizada por várias semanas depois do nascimento, ou porque a criança de um ano precisou ser internada para uma operação, ou porque a mãe morreu quando a criança tinha três anos.

Trata-se portanto de uma separação prematura que sofre a criança, principalmente em relação à sua mãe, às vezes também ao seu pai.
O efeito que isso terá sobre a vida posterior da criança, e principalmente sobre os seus relacionamentos,
Será tanto maior quanto mais existencialmente ameaçada esteve a criança e quanto mais ela teve de abandonar a esperança de recuperar a proximidade da mãe.

Quando um homem ou uma mulher olha para o seu parceiro, sente o desejo de amá-lo e de ser amado por ele.
Entretanto, ao se aproximar do parceiro, surge na pessoa, como num reflexo, o antigo medo da criança,de perder sua mãe e de não poder mais confiar nela, junto com uma grande dor e uma profunda resignação.

Esse padrão é transferido inconscientemente ao parceiro e uma luz vermelha se acende: “Não quero sofrer isso de novo.
Prefiro me retirar logo disso”. Entretanto, como todo mundo gosta de amar e de ser amado, a pessoa volta a tomar um impulso e a procurar o parceiro.
Mas, logo que se chega ao amor, emerge novamente o medo da criança pequena e a pessoa torna a recuar. Isto foi descrito por Bert Hellinger como o círculo vicioso da neurose.


A maior parte dos chamados conflitos de proximidade e distância têm assim sua origem num movimento precocemente interrompido em direção à mãe.

Esses conflitos não podem ser resolvidos na própria relação conjugal,mas exigem que a criança presente no adulto, numa experiência retroativa, seja acolhida com força e amor por sua mãe ou por um terapeuta que a substitua.

Isso exige uma experiência de transe ou uma vivência corporal em que o adulto se sinta de novo como uma criança pequena e que, como uma criança pequena, experimente um abraço que lhe permita atravessar a dor e recuperar a confiança em sua mãe.

Quando, na terapia de casal, trazemos assim à luz, de uma forma liberadora, fatos passados, isso ajuda o “amor à segunda vista” (Bert Hellinger)
A saber, as dimensões mais profundas de um amor dotado de visão.
Representa uma ajuda para o futuro e para um amor bem sucedido do casal (mesmo que, no caso de uma separação, apenas para o tempo em que ainda havia amor).
Uma compreensão retroativa só tem sentido na medida em que abre para o casal novos passos para o futuro, no sentido do título de um dos livros de Bert Hellinger: “Vamos em frente”.

A dimensão espiritual da terapia de casal

Quando as constelações na terapia de casal são bem sucedidas, elas abrem para os parceiros um caminho espiritual para o bom êxito de seu relacionamento.
O “espiritual” é entendido aqui num sentido mais amplo, como uma espécie de purificação do relacionamento,
E como uma forma de inserir-se no espaço maior da alma, que transcende o próprio relacionamento.
Também neste particular apontarei brevemente os pontos essenciais.

A fila dos antepassados
A vida nos vem através de nossos pais, mas não se origina neles. Ela vem de longe.
Às vezes, podemos colocar os parceiros de frente um para o outro (e isso costuma ser muito útil quando há problemas sexuais) e, atrás de cada um deles, uma fila de antepassados.
Isso permite perceber a força da vida que vem de longe e é transmitida através dos antepassados, e também a alegria de viver.

Esta conexão, através dos antepassados, com a ampla totalidade da vida é um ato religioso fundamental.
Ao realizá-lo nesse espírito, cada um pode sentir, em si mesmo e no parceiro,o que isso proporciona em termos de afluxo de força, de movimento amoroso para o parceiro.
E de uma união aberta, no sentido de uma vida mais ampla.

O ato de encarar-se

Só conseguimos manter muitos conflitos de relacionamento porque realmente não nos encaramos.
Os sentimentos que não podemos manter quando nos olhamos nos olhos não contribuem para o bom êxito do relacionamento.
Eles nos mantêm presos a todo tipo de fantasias e de padrões antigos, que nada têm a ver com a relação conjugal.
É realmente um exercício espiritual diário desprender-se continuamente desses sentimentos e pensamentos que não conseguimos manter de olhos abertos.

O respeito pelos mais antigos e a primazia do novo

Para o êxito do amor existe um processo indispensável, que tem a ver com o respeito pelos mais antigos e com o progresso.
O primeiro passo é este: “Respeito os meus pais e a minha família, e tudo o que vale nessa família”.

O segundo passo diz: “Respeito os teus pais e a tua família, e tudo o que vale em tua família”. 

O terceiro passo costuma ser doloroso.
Ambos os parceiros olham para seus pais e lhes dizem interiormente:
“Preciso deixar vocês e me desprender também de muita coisa que era importante para vocês.
Preciso deixar o que está em oposição ao que traz o meu parceiro em termos de hábitos, normas, valores, fé ou cultura, e o que me impede de dar prioridade à minha união atual e à minha família atual”.

E, num quarto passo, os parceiros se encaram e dizem um ao outro:
“Vamos fazer algo de novo a partir do antigo que trouxemos,
algo que acolha e transcenda o que ambos trouxemos, algo de novo que una e que leve ao futuro,e no qual possamos crescer juntos como pessoas autônomas.”

Da necessidade de partilhar
Muitos conflitos de casal resultam do desejo de que o parceiro satisfaça as nossas necessidades infantis,
Como se ele tivesse de dar-nos o que deixamos de receber de nossos pais. Isto, porém, sobrecarrega o parceiro,
Principalmente quando veicula esta mensagem:

“Sem você não posso viver!”

A solução espiritual reside em ficar em paz com os próprios pais e em dizer ao parceiro:
“O que recebi de meus pais basta, e isso eu partilho de boa vontade com você.
E o que você traz dos seus pais basta, e eu me alegro se você o repartir comigo.
E o que ainda nos falta nós conseguiremos por nossas próprias forças”.

Quando este nível adulto de partilhar e de comunicar-se tem força, podemos nos permitir, às vezes,acessos de necessidades infantis, como em situações de estresse e doença.
O parceiro estará presente por algum tempo, suportando e dando, até que melhoremos.

Liberdade através do relacionamento
Aqui direi algo de ousado.

Às vezes pensamos que, se estivéssemos sós, seríamos mais livres em nosso desenvolvimento e em nossas possibilidades. A realidade é o inverso.
A evolução nos ensina que a associação dos parceiros (não a uniformização associada a uma compulsão totalitária) diferencia cada indivíduo, torna-o mais variável em seu pensar e agir do que quando fica confinado à própria individualidade.

Quando, com vistas ao parceiro, temos de nos defrontar com coisas novas e procurar novas formas de equilíbrio interno e externo,isto nos libera um pouco dos próprios esforços, que são freqüentemente cegos, em nosso interior.
Ganhamos em variedade e equilíbrio, que são pressupostos imprescindíveis para um certo grau de liberdade."
********** 
Meu desejo é que essas duas publicações os coloque para refletir sobre os relacionamentos e os emaranhados que eventualmente possam existir.
Às vezes julgamos o outro no relacionamento e não imaginamos o que se passa ( ou passou) na família de origem. É preciso compreender que quando se forma um casal, as historias da família acompanham cada um. Se o casal não tiver essa compreensão, assim como disponibilidade para aceitar, criando um novo jeito ( misto dos dois... com o que há de melhor), o relacionamento está fadado ao fim.
Boa semana.
Tais

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